91 Assets/Arquivos/A Criação do Patriarcado - Gerda Lerner.jpg|150

A Criação do Patriarcado

História da Opressão das Mulheres pelos Homens


Observação

Esta página é uma nota sobre um livro, feita para popular a Minha Estante.
Aqui, você somente encontrará as informações básicas sobre esta obra, e em casos específicos, algumas anotações ou o fichamento deste livro.
O preenchimento das informações desta página é feito automaticamente, podendo conter erros. A intenção é que esta página sirva apenas como referência, e para um conteúdo mais completo e mais preciso, utilize as páginas de resenhas ou a Minha Estante.


Descrição do Livro

A Criação do Patriarcado explora cerca de 2.600 anos de história humana e as culturas do Antigo Oriente Próximo, para nos mostrar em um dos mais originais estudos dos últimos tempos, a origem da opressão das mulheres perpetrada pelos homens. Valendo-se de dados históricos, literários, arqueológicos e artísticos, Gerda Lerner refaz o traçado evolutivo das principais ideias, símbolos e metáforas graças às quais as relações de gênero patriarcais foram incorporadas à nossa civilização, sustentando que a dominação da mulher pelo homem é produto de um desenvolvimento histórico. Não é "natural" ou biológica e, portanto, imutável, de modo que o Patriarcado como sistema de organização da sociedade pode ser abolido por processos históricos. Gerda Lerner propõe uma nova e surpreendente teoria de classe, revelando as diferentes maneiras pelas quais as classes são estruturadas e vivenciadas de forma diferente por homens e mulheres.

Anotações

Anotação - Página 23

"Lerner morreu aos 92 anos, em 2013. Nascida em Viena, na Áustria, passou seu aniversário de 18 anos em uma prisão nazista. Compartilhou a cela com duas ativistas políticas cristãs que lhe ensinaram como resistir. “Tudo de que precisei para sobreviver o resto de minha vida eu aprendi na prisão durante essas seis semanas”, ela relatou anos depois em suas memórias."

Anotação - Página 24

"Sua tese de doutorado foi sobre as irmãs Grimke, as primeiras mulheres abolicionistas dos Estados Unidos, que lutaram pelos direitos das mulheres, pelo sufrágio universal e contra a escravidão. As irmãs Grimke acreditavam que as mulheres não poderiam ser livres se os negros não fossem livres (para Angela Davis, elas foram pioneiras em associar a escravidão à opressão das mulheres)."

Anotação - Página 25

"O patriarcado mantém e sustenta a dominação masculina, baseando-se em instituições como a família, as religiões, a escola e as leis. São ideologias que nos ensinam que as mulheres são naturalmente inferiores."
O patriarcado é normalizado e se sustenta por meio das instituições, que mantém a ideologia ativa.

Anotação - Página 26

"Lerner nos ensina que o sistema patriarcal só funciona com a cooperação das mulheres, adquirida por intermédio da doutrinação, privação da educação, da negação das mulheres sobre sua história, da divisão das mulheres entre respeitáveis e não respeitáveis, da coerção, da discriminação no acesso a recursos econômicos e poder político, e da recompensa de privilégios de classe dada às mulheres que se conformam. As mulheres participam no processo de sua subordinação porque internalizam a ideia de sua inferioridade. Como apontou Simone de Beauvoir: “o opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos”."
A cumplicidade da mulher que é alienada a sua dominação pelo patriarcado é parte da força dominadora do patriarcado.

Anotação - Página 26

"ainda vivemos no patriarcado. Como chamar por outro nome a realidade que mostra o relatório mais recente da ONU? Ele aponta que 137 mulheres são mortas por dia no mundo por um membro da família. Em 2017, de todas as mulheres assassinadas no planeta, 58% foram mortas por alguém da família. Além disso, 3 bilhões de mulheres vivem em países nos quais o estupro no casamento não é crime. Ao mesmo tempo, ainda se vende a ideia de que o ambiente doméstico é onde a mulher está protegida. E de que lutar contra essa proteção só pode ser coisa de feministas, essas mulheres malamadas que querem acabar com a família tradicional e com o sistema patriarcal, tão benéfico para as mulheres."

Anotação - Página 29

"Antes de ler A Criação do Patriarcado, nunca tinha me dado conta de dois pontos fundamentais: que a escravidão teve início com homens escravizando mulheres e que uma história comum e universal de escravização das mulheres envolve o estupro. Por mais que escravos homens tenham sofrido e ainda sofram com a opressão (pois engana-se quem pensa que a escravidão é algo do passado), a opressão sexual, a rotina do assédio e abuso sexual, não costumam fazer parte do seu dia a dia. Mas fazem parte da rotina das escravas mulheres."

Anotação - Página 34

"O fazer História, por outro lado, é uma criação que remonta à época da invenção da escrita na Antiga Mesopotâmia. Da época dos reis da Antiga Suméria em diante, historiadores, fossem sacerdotes, servos reais, escribas, clérigos ou alguma classe de intelectuais com instrução universitária, passaram a selecionar os eventos que seriam registrados e a interpretá-los para que tivessem significado e significância. Até o passado mais recente, esses historiadores eram homens, e o que registravam era o que homens haviam feito, vivenciado e considerado significativo. Chamaram isso de História e afirmaram ser ela universal. O que as mulheres fizeram e vivenciaram ficou sem registro, tendo sido negligenciado, bem como a interpretação delas, que foi ignorada. O conhecimento histórico, até pouco tempo atrás, considerava as mulheres irrelevantes para a criação da civilização e secundárias para atividades definidas como importantes em termos históricos."

A história (escrita) das mulheres foi negligenciada ao longo dos anos.

Anotação - Página 35

"grandes grupos de homens, possivelmente a maioria, também foram eliminados do registro histórico por muito tempo devido a interpretações preconceituosas de intelectuais que representavam os interesses de pequenas elites é desviar da questão. Um erro não anula o outro; os dois erros conceituais precisam ser corrigidos. Assim como grupos antes subordinados, tal como camponeses, escravos e o proletariado, alcançaram posições de poder – ou pelo menos de inclusão – na organização política, suas experiências devem se tornar parte do registro histórico. Ou seja, com relação às experiências dos homens daquele grupo, as das mulheres, como sempre, foram excluídas. A questão é que homens e mulheres sofreram exclusão e discriminação por razões de classe. Mas nenhum homem foi excluído do registro histórico por causa de seu sexo, embora todas as mulheres o tenham sido"

Um grande número de homens também foram excluídos do registro da história, mas isso se deu pela relação de classe e preconceito, enquanto as mulheres sempre foram excluídas, mesmo aquelas que participam destes grupos já segregados.

Anotação - Página 37

"Quaisquer diferenças perceptíveis no presente quanto a “homens como grupo” e “mulheres como grupo” são o resultado da história particular das mulheres, que é basicamente diferente da história dos homens."

Anotação - Página 39

"Embora as perguntas sobre a “origem” me interessassem a princípio, logo percebi que eram bem menos significativas do que as perguntas a respeito do processo histórico pelo qual o patriarcado se estabeleceu e se institucionalizou."

Entender a origem do patriarcado é menos importante do que entender o processo pelo qual ele se estabeleceu e se institucionalizou

Anotação - Página 40

"O período do “estabelecimento do patriarcado” não foi um “evento”, mas um processo que se desenrolou durante um espaço de tempo de quase 2.500 anos, de cerca de 3100 a 600 a.C. Aconteceu, mesmo no Antigo Oriente Próximo, em ritmo e momento diferentes, em sociedades distintas."

O estabelecimento do patriarcado não foi um evento, mas um processo gradual, que demorou milheres de anos e ocorreu em ritmos diferentes em sociedades distintas

Anotação - Página 41

"Neste livro, desenvolverei as seguintes propostas:
a. A apropriação da função sexual e reprodutiva das mulheres pelos homens ocorreu antes da formação da propriedade privada e da sociedade de classes. A transformação dessa capacidade em mercadoria, na verdade, está no alicerce da propriedade privada. (Capítulos Um e Dois.)
b. Os estados arcaicos foram organizados no formato do patriarcado; assim, desde o início, o Estado tinha um interesse fundamental na permanência da família patriarcal. (Capítulo Três.)
c. Os homens aprenderam a instituir dominância e hierarquia sobre outras pessoas praticando antes a dominância sobre as mulheres do próprio grupo. Isso se manifestou na institucionalização da escravidão, que começou com a escravização de mulheres dos grupos conquistados. (Capítulo Quatro.)
d. A subordinação sexual das mulheres foi institucionalizada nos mais antigos códigos de leis e imposta pelo poder total do Estado. Garantia-se a cooperação das mulheres por vários meios: força, dependência econômica do chefe de família, privilégios de classe concedidos a mulheres dependentes e obedientes das classes mais altas, e pelo artifício da divisão de mulheres em respeitáveis e não respeitáveis. (Capítulo Cinco.)
e. A classe, para os homens, foi e é baseada na relação com os meios de produção: aqueles que possuíam os meios de produção podiam dominar os que não os possuíam. Para as mulheres, a classe é mediada pelos seus vínculos sexuais com um homem, que então lhes proporciona acesso a recursos materiais. A divisão de mulheres entre “respeitável” (ou seja, vinculada a um homem) e “não respeitável” (ou seja, sem vínculo com um homem ou livre de todos os homens) é institucionalizada em leis relacionadas ao uso de véu por mulheres. (Capítulo Seis.)
f. Depois de muito tempo de subordinação sexual e econômica aos homens, as mulheres ainda desempenham papéis ativos e respeitados de mediação entre seres humanos e deuses como sacerdotisas, videntes, adivinhas e curandeiras. O poder feminino metafísico, em particular o poder de dar a vida, é venerado por homens e mulheres na forma de deusas poderosas mesmo bastante tempo depois de as mulheres serem subordinadas aos homens na maioria dos aspectos da vida. (Capítulo Sete.)
g. O destronamento de deusas poderosas, sendo substituídas por um deus masculino dominante, ocorre em quase todas as sociedades do Oriente Próximo após a instituição de uma monarquia forte e imperialista. De forma gradual, a função de controlar a fertilidade, que antes cabia totalmente às deusas, é representada por meio da cópula, real ou simbólica, do deus masculino ou Deus-Rei com a Deusa ou sua sacerdotisa. Por fim, a sexualidade (erotismo) e a procriação são separadas com o surgimento de deusas específicas para cada função, e a Deusa-Mãe transforma-se na esposa/cônjuge do Deus masculino principal. (Capítulo Sete.)
h. O surgimento do monoteísmo hebraico toma a forma de um ataque aos cultos difundidos a várias deusas da fertilidade. Ao escrever o Gênesis, a criação e a procriação são atribuídas ao Deus onipotente, cujos epitáfios “Senhor” e “Rei” o estabelecem como um deus masculino; e a sexualidade feminina, a não ser para fins de procriação, passa a ser associada ao pecado e ao mal. (Capítulo Oito.)
i. Na instituição da comunhão da aliança, o simbolismo básico e o real contrato entre Deus e a humanidade admitem como fato a posição subordinada das mulheres e a exclusão da aliança metafísica e da comunhão da aliança terrena. O único acesso das mulheres a Deus e à comunhão sagrada é na função de mãe. (Capítulo Nove.)
j. Essa desvalorização simbólica das mulheres em relação à divindade torna-se uma das metáforas fundamentais da civilização ocidental. A outra metáfora fundamental é oferecida pela filosofia aristotélica, que admite como fato que mulheres são seres humanos incompletos e defeituosos de uma categoria totalmente diferente da dos homens (Capítulo Dez). É com a criação desses dois constructos metafóricos que se constroem os próprios alicerces dos sistemas de símbolos da civilização ocidental; que a subordinação das mulheres passa a ser vista como “natural”, tornando-se, em decorrência disso, invisível. É isso que enfim estabelece com firmeza o patriarcado como realidade e como ideologia."

Anotação - Página 47

"Ver da forma como vemos, em termos patriarcais, é bidimensional. “Adicionar mulheres” à estrutura patriarcal torna a visão tridimensional. Mas apenas quando a terceira dimensão está totalmente integrada e caminha com o conjunto; apenas quando a visão das mulheres é equivalente à visão dos homens é que percebemos as verdadeiras relações do todo e das conexões internas das partes."

Não basta "adicionar mulheres" na estrutura patriarcal como forma de reparação.

Anotação - Página 51

"A abordagem que usamos na interpretação – nossa estrutura de conceitos – determina o resultado. Tal estrutura nunca é isenta de valores. Fazemos as perguntas do passado que queremos que sejam respondidas no presente. Por um longo período de tempo histórico, admitiu-se a estrutura de conceitos que criou nossas perguntas como fato indiscutível e incontestável. Enquanto a visão teleológica cristã dominava o pensamento histórico, a história précristianismo era vista apenas como um estágio preparatório para a história verdadeira, que começou com o nascimento de Cristo e terminaria com a Segunda Vinda do Cristo. Quando a teoria darwinista dominava o pensamento histórico, a Pré-História era vista como um estágio “selvagem” no progresso evolutivo da humanidade, do simples ao mais complexo. O que prosperou e sobreviveu foi, pelo mero fato de ter sobrevivido, considerado superior ao que desapareceu, portanto, “fracassou”. Enquanto suposições androcêntricas dominavam nossas interpretações, entendíamos o sistema de sexo/gênero prevalente no presente olhando para o passado. Admitíamos a existência da dominação masculina como fato e considerávamos qualquer prova em contrário apenas uma exceção à regra ou alternativa malsucedida."

A ciência não é neutra, e a abordagem que usamos para interpretar a história também afeta a forma com a qual ela é interpretada e contada. Uma abordagem patriarcal foi regra por séculos.

Anotação - Página 53

"Para historiadores, a questão mais importante e significativa é: como, quando e por que a submissão feminina passou a existir? Portanto, antes de entrar na discussão sobre o desenvolvimento histórico do patriarcado, precisamos rever os principais pontos de vista a respeito dessas três perguntas na discussão do assunto."

Entender como, quando e por que a submissão feminina passou a existir é fundamental para discutir o desenvolvimento histórico do patriarcado.

Anotação - Página 53

"se à mulher foi atribuída, por planejamento divino, uma função biológica diferente da do homem, a ela também devem ser atribuídas diferentes tarefas sociais. Se Deus ou a natureza criaram diferenças entre os sexos, que, em consequência, determinaram a divisão sexual do trabalho, ninguém pode ser culpado pela desigualdade sexual e pela dominação masculina."

Em primeira instância, a designação divina da mulher em função submissa dá um desculpa inevitável, onde não há culpado para a desigualdade e dominação

Anotação - Página 54

"Por fim, essa explicação determinista do ponto de vista biológico estende-se da Idade da Pedra até o presente pela afirmação de que a divisão sexual do trabalho com base na “superioridade” natural do homem é um fato, e, portanto, continua tão válida hoje quanto era nos primórdios da sociedade humana."

Por outro lado, também há uma explicação determinista do ponto de vista biológico, onde a superioridade natural do homem seria fator importante para justificar a desigualdade.

Anotação - Página 55

"Ainda que não mencionemos as alegações biológicas duvidosas de superioridade física masculina, a explicação do homem-caçador foi refutada por evidências antropológicas em relação a sociedades de caçadores-coletores. Na maioria dessas sociedades, a caça de grandes animais é uma atividade auxiliar, enquanto o fornecimento dos principais alimentos vem de atividades de coleta e caça de pequenos animais, que mulheres e crianças executam. [ 11 ] Além disso, como veremos a seguir, é precisamente em sociedades de caçadores-coletores que encontramos muitos exemplos de complementaridade entre os sexos e sociedades nas quais mulheres têm status relativamente alto, contradizendo de modo direto as afirmações da escola de pensamento do homem-caçador."

Além de mulheres e crianças serem responsáveis pela caça e coleta de alimentos, nestas sociedades, o status das mulheres também é relativamente alto, caindo por terra tal argumento determinista biológico.

Anotação - Página 57

"As teorias de Sigmund Freud reforçaram ainda mais a explicação tradicionalista. O humano normal de Freud era macho; a fêmea era, de acordo com sua definição, um ser humano desviante sem pênis, cuja completa estrutura psicológica concentrava-se, segundo supunha, no esforço em compensar essa deficiência. Apesar de muitos aspectos da teoria freudiana se provarem úteis na construção da teoria feminista, foi a máxima de Freud de que, para mulheres, “anatomia é destino” que deu nova vida e força ao argumento de supremacia masculina."

Freud reforça a ideia do determinismo biológico ao afirmar que o humano normal é o homem

Anotação - Página 59

"os tradicionalistas esperam que as mulheres tenham os mesmos papéis e ocupações que eram funcionais e essenciais à espécie no Período Neolítico. Aceitam as mudanças culturais pelas quais os homens se libertaram da necessidade biológica. A substituição do trabalho físico pelo trabalho de máquinas é considerada progresso; apenas as mulheres, sob o ponto de vista deles, estão condenadas pela eternidade a servir à espécie por meio de sua biologia. Afirmar que, de todas as atividades humanas, apenas os cuidados fornecidos por mulheres são imutáveis e eternos é, de fato, destinar metade da raça humana a uma existência inferior, à natureza em detrimento da cultura."

Os tradicionalistas ignoram o progresso científico e aprisionam a mulher a um papel neolítico: enquanto o trabalho evolui e progride, para eles, é impossível a superação do biológico da mulher.

Anotação - Página 63

"As especulações de Engels sobre a natureza da sexualidade feminina foram criticadas como sendo o reflexo dos próprios valores vitorianos machistas, pela suposição não bem examinada de que os padrões de puritanismo feminino do século XIX pudessem explicar ações e atitudes das mulheres do começo da civilização. [ 30 ] Ainda assim, Engels fez contribuições importantes para nosso entendimento da posição das mulheres na sociedade e na história: (1) Ele apontou a ligação entre mudanças estruturais nas relações de parentesco, e mudanças na divisão do trabalho, por um lado, e a posição das mulheres na sociedade, por outro. (2) Mostrou a conexão entre instituição da propriedade privada, casamento monogâmico e prostituição. (3) Apresentou a relação entre a dominação política e econômica pelos homens e seu controle sobre a sexualidade feminina. (4) Determinando “a grande derrota histórica do sexo feminino” no período da formação de estados arcaicos, com base na dominação das elites donas de propriedades, deu historicidade ao evento. Embora não tenha conseguido provar nenhuma dessas afirmações, ele definiu as questões teóricas mais importantes dos cem anos seguintes. Também limitou a discussão da “questão da mulher” ao oferecer uma explicação convincente de causa única e direcionar a atenção a um só evento, que comparou a uma “destruição” revolucionária. Se a causa da “escravização” das mulheres foi o desenvolvimento da propriedade privada e das instituições que dela evoluíram, então, a lógica diz que a abolição da propriedade privada libertaria as mulheres. Seja como for, a maior parte da produção teórica sobre a questão da origem da subordinação das mulheres teve como objetivo provar, melhorar ou refutar a obra de Engels."

Engels, apesar de limitado pelos valores vitorianos machistas, fez fortes contribuições para o entendimento das mulheres na sociedade e na história

Anotação - Página 65

"A “troca de mulheres” é a primeira forma de comércio, na qual mulheres são transformadas em mercadoria e “coisificadas”, ou seja, consideradas mais coisas do que seres humanos. A troca de mulheres, de acordo com Lévi-Strauss, marca o começo da subordinação das mulheres. Isso, por sua vez, reforça uma divisão sexual do trabalho que institui a dominação masculina. Lévi-Strauss, contudo, vê o tabu do incesto como um passo adiante positivo e necessário para a criação da cultura humana. Pequenas tribos autossuficientes precisaram se relacionar com tribos vizinhas em constante guerra ou encontrar uma maneira de coexistência pacífica. Os tabus sobre a endogamia e o incesto estruturaram interações pacíficas e originaram alianças entre tribos."

Para Claude Lévi-Strauss, o âmago da dominação das mulheres está na forma em que elas foram comercializadas e coisificadas: eram transformadas em mera mercadoria e institui o começo da dominação masculina

Anotação - Página 66

"Devemos observar que, na teoria de Lévi-Strauss, os homens são os atores que impõem um conjunto de estruturas e relações às mulheres. Tal explicação não pode ser considerada satisfatória. Como isso aconteceu? Por que mulheres foram trocadas, e não homens ou crianças de ambos os sexos? Mesmo admitindo a utilidade funcional desse sistema, por que as mulheres teriam concordado com ele? [ 34 ] Exploraremos essas questões mais adiante, no próximo capítulo, em uma tentativa de construir uma hipótese praticável."

Essa explicação de Levi Strauss é insuficiente

Anotação - Página 74

"Existe uma polêmica considerável entre antropólogos sobre como categorizar qualquer tipo de sociedade. Muitas antropólogas e autoras feministas interpretaram complementaridade ou até ausência nítida de dominância masculina como prova de igualitarismo ou mesmo de dominância feminina. Assim, Eleanor Leacock descreve o alto status de mulheres iroquesas, em particular antes da invasão europeia: o poderoso papel público de controlar a distribuição de alimentos e a participação no Conselho de Anciãos. Leacock interpreta esses fatos como evidências de “matriarcado”, definindo o termo como uma sociedade em que “mulheres tinham autoridade pública em áreas importantes da vida em grupo”. [ 48 ] Outros antropólogos, observando os mesmos dados e reconhecendo o status relativamente alto e a posição de poder de mulheres iroquesas, concentram-se no fato de que elas nunca eram líderes políticas da tribo nem comandantes. Também pontuam a singularidade da situação dos iroqueses, com base na abundância de recursos naturais disponíveis em seu ambiente. [ 49 ] Deve-se observar ainda que, em todas as sociedades de caçadorescoletores, não importando o status social e econômico das mulheres, estas sempre eram subordinadas aos homens em alguns aspectos. Não existe uma só sociedade conhecida na qual “mulheres como grupo” tivessem poder de decisão sobre os homens ou definissem as regras de conduta sexual, ou mesmo controlassem as transações de casamento."

Não há consenso sobre como categorizar as sociedades.

Anotação - Página 75

"Ao resumirmos os achados referentes à dominância feminina, podemos pontuar: (1) A maioria das evidências de igualdade entre os sexos nas sociedades deriva de sociedades matrilineares e matrilocais, que são historicamente temporárias e estão desaparecendo. (2) Embora a matrilinearidade e a matrilocalidade confiram certos direitos e privilégios às mulheres, o poder de decisão dentro das relações de parentesco é dos homens mais velhos. (3) Origem patrilinear não implica subjugação de mulheres, tampouco origem matrilinear indica matriarcado. (4) Observadas ao longo do tempo, as sociedades matrilineares não conseguiram se adaptar a sistemas competitivos, exploradores e técnicoeconômicos, sendo substituídas por sociedades patrilineares."

Anotação - Página 75

"Aqueles que definem matriarcado como uma sociedade na qual mulheres dominam os homens, uma espécie de patriarcado às avessas, não conseguem citar provas antropológicas, etnológicas ou históricas. Sustentam a teoria com evidências que se baseiam em mito e religião. [ 51 ] Outros chamam de matriarcado qualquer sistema social em que as mulheres tenham controle sobre algum aspecto da vida pública. Outros ainda incluem toda sociedade na qual as mulheres gozem de status relativamente alto. [ 52 ] A última definição é tão vaga, que não faz sentido como categoria. Penso que só podemos falar em matriarcado quando as mulheres têm poder sobre os homens, não ao lado deles; quando esse poder inclui o domínio público e as relações exteriores, e quando as mulheres tomam decisões essenciais não apenas para seus parentes, mas para a comunidade. De acordo com minha discussão anterior, esse poder deveria incluir a definição de valores e sistemas explicativos da sociedade, bem como a definição e o controle do comportamento sexual masculino. Pode-se observar que defino matriarcado como a imagem refletida do patriarcado. Segundo essa definição, eu concluiria que nunca existiu uma sociedade matriarcal."

Nunca existiu uma sociedade matriarcal, pois não há evidências para tal, além de mitos e religiões, e a sociedade não é verdadeiramente matriarcal se a mulher não tiver poder SOBRE homens ao invés de ao lado deles.

Anotação - Página 88

"o cérebro humano se desenvolve por muitos anos durante o período de infância, em que a criança é totalmente dependente, sendo, portanto, sujeito a modificações por meio do aprendizado e de intensa moldagem cultural, de modo completamente diferente do desenvolvimento dos animais. A neurofisiologista Ruth Bleier usa esses fatos em um argumento revelador contra quaisquer teorias que afirmem ser as características humanas “inatas”."

é dificil sustentar um argumento de que as caracteristicas humanas são inatas quando, na verdade, o desenvolvimento de nosso cérebro dura anos mesmo após o nascimento

Anotação - Página 91

"Mulheres precisavam ter mais gestações do que partos bemsucedidos, como continuou a ser o caso também em épocas históricas de sociedades agrícolas. A infância dos bebês era bastante prolongada, uma vez que as mães os amamentavam por dois ou três anos. Assim, podemos presumir que era absolutamente necessário para a sobrevivência do grupo que a maioria das mulheres núbeis dedicasse a vida adulta a engravidar, ter filhos e amamentar. Era esperado que homens e mulheres aceitassem tal necessidade e construíssem crenças, tradições e valores dentro de suas culturas que sustentassem essas práticas essenciais. Consequentemente, mulheres escolhiam ou preferiam atividades econômicas que pudessem ser combinadas com facilidade aos deveres da maternidade. Embora seja razoável presumir que algumas mulheres em cada tribo ou bando fossem fisicamente capazes de caçar, também pode se presumir que não queriam participar de caçadas a grandes animais com regularidade, pois ficariam sobrecarregadas fisicamente com filhos na barriga, nos quadris ou nas costas. Além disso, embora um bebê carregado nas costas possa não ser um impedimento para a mãe participar de uma caçada, um bebê chorando pode ser."

Se fazia necessário que a mulher passasse por diversas gestações, ao longo de toda sua vida reprodutiva, para garantir a continuação de sua espécie.
Com isso, também se fez necessário que essas mulheres ficassem designadas às tarefas de cuidado, pois não se podia construir ou caçar e ao mesmo tempo cuidar de um bebê;

Anotação - Página 96

"Meninos e meninas aprendem a esperar de mulheres o amor infinito e acolhedor de uma mãe, mas também associam a mulheres o medo de suas fraquezas. A fim de encontrar a própria identidade, meninos se desenvolvem como “diferentes da mãe”; identificam-se com o pai e repudiam expressões de sentimentos, preferindo a ação."

Anotação - Página 99

"Freud via a origem da agressividade masculina na rivalidade edipiana entre pai e filho pelo amor da mãe e supunha que os homens tivessem construído a civilização para compensar a frustração de seus instintos sexuais na primeira infância. As feministas, começando por Simone de Beauvoir, foram muito influenciadas por tais ideias, o que tornou possível a explicação de que o patriarcado resultou ou da biologia masculina ou da psicologia masculina. Assim, Susan Brownmiller vê a capacidade que o homem tem de estuprar como causa da propensão a estuprar mulheres, e mostra como isso levou à dominância dos homens sobre as mulheres e à supremacia masculina."

Anotação - Página 102

"supondo-se que homens adultos fossem comercializados entre as tribos, o que garantiria a lealdade deles à nova tribo? O laço entre homens e sua prole ainda não era forte o bastante para assegurar que eles fossem submissos pelo bem dos filhos. Os homens seriam capazes de atos de violência contra os integrantes da tribo estranha; com a experiência em caça e viagens de longa distância, poderiam escapar facilmente e depois retornar como guerreiros em busca de vingança. As mulheres, por outro lado, seriam coagidas com mais facilidade, muito provavelmente por meio do estupro. Uma vez casadas ou mães, seriam leais aos filhos e aos parentes dos filhos, e assim criariam laços fortes com a tribo de afiliação. Foi assim, de fato, que a escravidão se desenvolveu ao longo da história, como veremos mais adiante. Mais uma vez, a função biológica da mulher a tornou mais adaptável para esse novo papel de fantoche, criado pela cultura."

Anotação - Página 109

"A conexão entre a reificação de mulheres de um lado e o Estado e a propriedade privada do outro é o exato oposto do que Engels e seus seguidores propõem. Sem a reificação de mulheres como característica socioestrutural historicamente determinada, a origem da propriedade privada e do Estado permanecerá inexplicável."

sem a mulher como mercadoria, a origem do estado e da propriedade privada não seria possível

Anotação - Página 112

"Estados arcaicos caracterizam-se em toda parte pelo surgime o de classes e
hierarquias relacionadas à propriedade; odução de bens
consumíveis com alto grau de especialização e com cio organizado
entre regiões distantes; urbanismo, aparecimento e onsolidação de
elites militares; realeza; institucionalização da escra dão; transição
de dominância por parentesco a famílias patriarcai como principal
forma de distribuição de posses e poder."

Anotação - Página 127

"Os documentos do reinado de Urukagina nos oferecem um olhar aterrorizante da vida das mulheres. Lê-se em um dos éditos de Urukagina: “Mulheres de outros tempos se casavam com dois homens, mas as mulheres de hoje foram obrigadas a abandonar esse crime” . [ 117 ] O édito continua e afirma que mulheres que cometiam esse “crime” na época de Urukagina eram apedrejadas, tendo sua intenção maligna inscrita nas pedras. Em outro trecho, o édito afirma que, “se uma mulher falar [...] de forma completamente desrespeitosa com um homem, sua boca será esmagada com um tijolo refratário” ."

Anotação - Página 135

"Apenas recém-saídos do estágio tribal, esses soberanos amoritas mantiveram muitas das características da herança tribal em suas políticas econômicas emergentes. Ao contrário das cidades-Estados desenvolvidas, com posições e cadeia de comando mais demarcadas e institucionalizadas, os reis amoritas do norte parecem ter mantido um estilo “patriarcal” de governo. Toda a autoridade ficava nas mãos do rei, que supervisionava pessoalmente todas as operações, ou pelo menos delegava pessoalmente tal autoridade caso fosse necessário"

Anotação - Página 143

"Após uma visão geral de fragmentos de evidências relacionadas a mulheres mesopotâmicas em diferentes culturas ao longo de um período de 1.400 anos, o que aprendemos? Vimos evidências extensas de sociedades nas quais a participação ativa de mulheres na vida econômica, religiosa e política era dada como certa. Igualmente dada como certa era a dependência delas e a obrigação em relação aos parentes homens e/ou maridos. Para a elite dominante, o interesse próprio como usurpadores da realeza exigia que o estabelecimento de poder se tornasse o que um analista, de maneira sagaz, chamou de “burocracia patrimonial”. [ 152 ] A garantia do poder deles dependia da distribuição de familiares em importantes posições subordinadas de poder. Tais familiares, nesse período inicial, costumavam ser mulheres esposas, concubinas ou filhas – que, digamos assim, tornaram-se as primeiras senhoras feudais de seus maridos/pais/reis. Assim, surgiu o papel da “esposa como suplente”, no qual encontraremos mulheres a partir desse período. Observamos a extensão e os limites do poder delas representado pela rainha Shibtu, que executava as ordens do marido ao governar o reino e selecionar mulheres dentre as prisioneiras para o harém dele. Sua imagem pode ser uma metáfora perspicaz para o que significa, o que significava na época e o que significou por quase 3 mil anos para uma mulher pertencer à classe alta. O papel da rainha Shibtu de “esposa como suplente” é a posição mais alta à qual essas mulheres podem aspirar. O poder delas deriva inteiramente do homem do qual dependem. A influência e o verdadeiro papel em moldar os eventos são reais, assim como o poder sobre homens e mulheres de classes mais baixas que elas possuem ou controlam. Mas, em relação à sexualidade, são completamente subordinadas aos homens. Aliás, como vimos nos casos de diversas esposas reais, o poder delas na vida econômica e política depende do quanto é satisfatória a servidão sexual a seus homens. Se não os agradarem mais, como no caso de Kirum ou Kunshimatum, perdem o poder por capricho de seus senhores. Assim, as mulheres acabaram se percebendo, de forma bem realista, dependentes dos homens."

O poder da mulher se dava nada mais como uma suplente, ou substituta, em caso de ausencia do homem

Anotação - Página 143

"O poder delas deriva inteiramente do homem do qual dependem. A influência e o verdadeiro papel em moldar os eventos são reais, assim como o poder sobre homens e mulheres de classes mais baixas que elas possuem ou controlam. Mas, em relação à sexualidade, são completamente subordinadas aos homens. Aliás, como vimos nos casos de diversas esposas reais, o poder delas na vida econômica e política depende do quanto é satisfatória a servidão sexual a seus homens. Se não os agradarem mais, como no caso de Kirum ou Kunshimatum, perdem o poder por capricho de seus senhores."

Anotação - Página 144

"A escravidão é a primeira forma insti cionalizada de dominância
hierárquica na história humana; relacio -se ao estabelecimento de
uma economia de mercado, de hierar ias e do Estado. Por mais
opressiva e brutal que, sem dúvida ne uma, tenha sido para suas
vítimas, a escravidão representou um a nço essencial no processo
de organização econômica, vanço no qual se baseou o
desenvolvimento da antiga civili ção. Assim, podemos falar
justificadamente na “invenção da esc vidão” como um divisor de
águas"

Anotação - Página 146

"A escravidão só podia ocorrer onde existissem determinadas precondições: era preciso haver excedentes de alimentos; meios de reprimir prisioneiros resistentes; distinção (visual e conceitual) entre escravos e escravizadores. [ 154 ] Em muitas sociedades nas quais existia, de alguma maneira, a prática de possuir escravos, não havia um status fixo de escravo, apenas vários graus de subordinação e trabalho forçado. Para que o status de escravo fosse institucionalizado, as pessoas precisavam ter como certa que a possibilidade dessa dominância teria mesmo resultado positivo. A “invenção da escravidão” baseou-se na ideia de que um grupo de pessoas pode ser classificado como um grupo externo, marcado a ferro como escravizável, forçado ao trabalho e à subordinação – e de que esse estigma de ser escravizável, combinado com a realidade de seu status, faria o grupo aceitar isso como fato. [ 155 ] Além disso, era necessário que essa escravização não apenas durasse a vida inteira do escravo, mas que também o status de escravo pudesse ser fixado de modo permanente ao grupo dessas pessoas, antes livres, e a seus descendentes"

Anotação - Página 147

"A opressão de mulheres precede a escravidão e a torna possível. Vimos em capítulos anteriores como homens e mulheres construíram as relações sociais que deram origem a dominância e hierarquias. Vimos como a confluência de inúmeros fatores resultou na assimetria sexual e na divisão de trabalho com pesos desiguais para homens e mulheres. A partir disso, o parentesco estruturou as relações sociais de tal forma, que mulheres eram comercializadas para casamento e homens tinham certos direitos sobre as mulheres que estas não tinham sobre eles. A sexualidade e o potencial reprodutivo das mulheres se tornaram mercadorias a ser comercializadas ou adquiridas para servir a famílias; então, as mulheres eram consideradas um grupo com menos autonomia do que os homens. Em algumas sociedades, como na China, as mulheres continuaram sendo estranhas marginalizadas em relação ao grupo de seus parentes. Enquanto os homens “faziam parte” de uma família ou linhagem, as mulheres “pertenciam a” homens que adquirissem direitos sobre elas. [ 156 ] Na maioria das sociedades, as mulheres são mais vulneráveis à marginalidade do que os homens. Uma vez privadas da proteção de um parente homem por razão de morte, separação ou por não ser mais desejada como parceira sexual, a mulher se torna marginalizada. Logo no início da formação do Estado e do estabelecimento de hierarquias e classes, os homens devem ter observado essa vulnerabilidade maior nas mulheres e aprenderam assim que podiam usar diferenças para separar e dividir um grupo de pessoas de outro. Essas diferenças podem ser “naturais” e biológicas, como sexo e idade, ou podem ser criadas pelo homem, como aprisionamento e marcação a ferro."

Anotação - Página 148

"A “invenção da escravidão” envolve o desenvolvimento de técnicas de escravização permanente e do conceito, tanto para o dominante quanto para o dominado, de que a impotência permanente de um lado e o poder total do outro são condições aceitáveis de interação social. Como apontou Orlando Patterson em seu estudo completo da sociologia da escravidão, as técnicas de escravização tinham três aspectos característicos: (1) a escravidão começou como um substituto para mortes em geral violentas, sendo, “de modo peculiar, uma permuta condicional”; (2) o escravo passava por “alienação natal”; ou seja, ele ou ela era “isolado de todas as reivindicações de nascimento” e da participação legítima de direito em uma ordem social; (3) o “escravo era desonrado de forma generalizada”. [ 157 ] Evidências históricas sugerem que esse processo de escravização foi desenvolvido e aperfeiçoado a princípio com mulheres prisioneiras de guerra; que foi reforçado por já conhecidas práticas de comércio de mulheres para casamento e concubinato. Durante um longo período, talvez séculos, enquanto homens inimigos eram mortos pelos captores, gravemente mutilados ou levados para áreas distantes e isoladas, mulheres e crianças tornavam-se prisioneiras e se incorporavam a casas e à sociedade dos captores. É difícil saber o que inicialmente levou os homens à “permuta condicional da morte” para mulheres e crianças. É mais provável que a maior vulnerabilidade física e debilidade fizessem-nas apresentar menos ameaça se fossem aprisionadas do que os guerreiros inimigos do sexo masculino. A “alienação natal” foi obtida com rapidez ao se transportá-las para longe dos povoados de origem, que costumavam estar fisicamente destruídos. Como seus parentes homens haviam sido mortos, essas prisioneiras não tinham esperança de resgate ou fuga. O isolamento e o desespero delas aumentavam a sensação de poder de seus captores. O processo de desonra podia, no caso das mulheres, ser combinado com o ato derradeiro da dominância masculina: o estupro de prisioneiras. Se uma mulher fosse capturada com os filhos, se sujeitaria a quaisquer condições impostas pelos captores para garantir a sobrevivência deles. Se não tivesse filhos, o estupro ou uso sexual logo a faria engravidar, e a experiência mostraria aos captores que as mulheres suportariam e se adaptariam à escravidão na esperança de salvar os filhos e em algum momento melhorar sua sina."

Anotação - Página 163

"Fatores biológicos e culturais predispuseram homens a escravizar mulheres antes que aprendessem a escravizar homens. Para as mulheres, o terror físico e a coerção, ingredientes essenciais no processo de transformar pessoas livres em escravos, tomaram a forma de estupro. As mulheres eram subjugadas fisicamente por meio de estupros; uma vez grávidas, podiam se apegar a seus senhores em termos psicológicos. Daí surgiu a institucionalização do concubinato, que se tornou o instrumento social para integrar mulheres prisioneiras às famílias dos captores, garantindo a estes não apenas seus serviços fiéis, mas também o de seus filhos. Todos os historiadores que escreveram sobre escravidão descreveram o uso sexual de mulheres escravizadas. Robin Winks, resumindo o conhecimento histórico existente sobre o assunto, afirma: “O livre acesso sexual a escravas as distingue de todas as outras pessoas tanto quanto sua classificação jurídica como propriedade”"

Anotação - Página 183

"Quando a escravidão se tornou comum, a subordinação de mulheres já era um fato histórico. Se, naquele momento, pensava- se nisso de alguma maneira, deve-se ter incorporado à subordinação de mulheres um pouco do estigma da escravidão: escravos eram, assim como as mulheres, pessoas inferiores que podiam ser escravizadas. As mulheres, sempre disponíveis para a subordinação, eram agora consideradas escravas por serem como os escravos. [ 232 ] A relação entre as duas condições estava na premissa de que todas as mulheres precisavam aceitar como fato o controle de sua sexualidade e de sua função reprodutiva por homens ou instituições dominadas por eles. Para mulheres escravas, a exploração econômica e a exploração sexual estavam ligadas do ponto de vista histórico. A liberdade de outras mulheres, que nunca foi a liberdade de homens, dependia da escravidão de algumas mulheres, e sempre foi limitada pelas restrições de mobilidade e acesso a conhecimento e capacitação. De modo oposto, para homens, o poder estava conceitualmente relacionado à violência e à dominação sexual. O poder masculino depende tanto da disponibilidade de serviços sexuais e econômicos de mulheres na esfera doméstica quanto da disponibilidade e do desempenho tranquilo da força militar"

Anotação - Página 192

"A sociedade patriarcal tinha como características a linhagem patrilinear, leis de propriedade que garantiam aos filhos meninos direito à herança, dominância masculina nas relações de propriedade e entre os sexos, burocracias militares, políticas e religiosas. Essas instituições eram sustentadas pela família patriarcal e, por sua vez, recriavam-na de modo incessante."

Anotação - Página 216

"vemos então, no intervalo de mil anos que estamos discutindo,
como a dominação patriarcal passou de prática privada ara lei
pública. O controle da sexualidade feminina, antes pratica apenas
por alguns maridos ou chefes de família, tornou-se, então assunto
de regulação estatal. A isso, é evidente, sucedeu-se a tendência
geral ao aumento do poder do Estado e, em decorrência disso, ao
estabelecimento de uma lei pública."

Anotação - Página 232

"A meretriz de templo é uma parte aceita da sociedade; seu papel é honorável – aliás, é ela que é escolhida para civilizar o homem selvagem. A hipótese aqui é de que a sexualidade é civilizatória, agradável aos deuses. A meretriz faz “a tarefa de uma mulher”; portanto, não é diferenciada das outras mulheres por causa de sua ocupação. Ela tem um tipo de sabedoria que doma o homem selvagem."

Anotação - Página 233

"É provável que a prostituição comercial tenha se originado diretamente da escravização de mulheres e da consolidação e formação de classes. A conquista militar causou, no terceiro milênio a.C., a escravização e o abuso sexual de mulheres prisioneiras. Quando a escravidão se tornou uma instituição estabelecida, proprietários de escravos passaram a alugar escravas como prostitutas, e alguns senhores montaram bordéis comerciais com escravas. A pronta disponibilidade de mulheres prisioneiras para uso sexual privado e a necessidade de reis e governantes, às vezes eles mesmos usurpadores de autoridade, de demonstrar legitimidade ao ostentar riqueza em forma de servas e concubinas originou o estabelecimento de haréns"

Anotação - Página 243

"O Código de Hamurabi marca o início da institucionalização da
família patriarcal como um aspecto do poder do Estado. Reflete uma
sociedade de classes na qual o status da mulher dependia do status
e da propriedade do chefe de família homem. esposa de um
burguês empobrecido poderia, pela mudança de status dele, contra
a sua vontade e sem ter feito nada, passar de mulher respeitável
para escrava por dívida ou prostituta. Por outro lado, o
comportamento sexual de uma mulher casada, como a adultério, ou o
fato de uma mulher solteira perder a virgindade podiam rebaixá-la
de uma maneira que nenhum homem poderia ser baixado pelo
próprio comportamento sexual. O status da mulher é sempre
definido de modo diferente do status do homem da mesma classe,
desde aquela época até o presente"